Cinema, lagostas e relacionamentos

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Amar é nunca ter que pedir perdão?

São Paulo, anos 1990. Eu trabalhava no mercado financeiro e mais ou menos nessa época minha vida social começou a incluir algumas festas grandiosas, com convidados animadíssimos, roupas de grife, comida de primeira, bebida farta. Invariavelmente, em algum momento me voltava à mente algumas cenas do filme O grande Gatsby (1974), estrelado por Robert Redford e Mia Farrow, que eu assisti na época do lançamento no Cine Veneza. Na tela, era retratada a loucura da década de 1920, quando os ricos dançavam Charleston como se não houvesse amanhã e o crack da bolsa em 1929, ainda por vir, fosse pura fantasia. Na verdade, nem havia tantos pontos de contato assim entre as duas situações, mas as grandes festas paulistanas me davam a sensação de estar revivendo uma cena de cinema na vida real. Por outro lado, em algumas reuniões de trabalho, em um banco, quando cada diretor se sentava à mesa ladeado por seus gerentes, eu me sentia praticamente um personagem de O poderoso chefão, durante um encontro de mafiosos.

Que me perdoem os críticos especializados, mas acredito humildemente que uma das grandes contribuições da arte cinematográfica tem sido sua capacidade de representar com muita fidelidade e verossimilhança algumas fantasias dos espectadores e criar referências para nosso repertório emocional. Quer um exemplo? Quem nunca se sentiu um Rocky Balboa dando socos no ar e ouvindo mentalmente a trilha sonora em um momento de triunfo? Ou tentou seguir os passos de John Travolta em Embalos de sábado à noite durante uma festa? E você, corredor(a), pode me jurar que nunca se visualizou correndo em câmera lenta durante um treino à beira-mar, ao som da música de Vangelis? (Não? Então não sabe o que está perdendo!)

É verdade que a cultura cinematográfica tem capacidade de ensinar grandes coisas sobre relacionamentos reais, de carne e osso. Mas haja inspiração. Vivi na adolescência paixões com a urgência de um Love story, com Ryan O’Neal e Ali McGraw (linda!), acreditando e repetindo que “amar é nunca ter que pedi perdão”. O desfecho, em geral, não era tão trágico quanto na tela – benza Deus — embora a cada rompimento eu pudesse jurar que compartilhava em toda plenitude a dor do personagem de Ryan O’Neal.

Eu ainda era bem jovem quando vi pela primeira vez Annie Hall, de Woody Allen, aquele que passou com o título Noivo neurótico, noiva nervosa. Serviu de introdução para o complicado ritual das DRs. Com ou sem lagostas (ver o vídeo no fim deste post). Ao longo da vida também tive momentos em que me senti vivendo a paixonite de Michelle Pfeiffer e George Clooney em Um dia especial e a beligerância do final de casamento de A guerra dos Roses, com Kathleen Turner e Michael Douglas. E como não? Houve despedidas em que me senti como Humphrey Bogart em Casablanca. “We will always have Paris”. E sei que não estou pecando por excesso de originalidade.

Talvez a arte imite a vida de uma forma mais caprichada e com menos riscos à integridade física dos observadores. Quando as luzes se apagam, posso me identificar com Russel Crowe e me sentir como um matemático pirado, um gladiador ensandecido ou um operador do mercado financeiro que larga tudo para viver no sul da França a vida como ela deveria ser. E quando a vida surpreende e imita a arte, resta para a gente sorrir sozinho e, se preciso for, sair pela rua assobiando “As time goes by”. (Mauro Giorgi, com edição de Livia de Almeida)

 

 

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