Páscoa à italiana

Páscoa III

Na casa dos meus avós, o prato tradicional do domingo de Páscoa era um capelleti caseiro, produzido por toda a família reunida, uma tradição preservada dos antepassados italianos. A agitação começava desde a véspera, porque havia trabalho de sobra: meu avô tratava de moer carnes de porco, frango e boi num moedor manual preso à mesa da cozinha. Tudo era temperado e cozinhado para servir de recheio. No dia seguinte, eu e meu irmão, então os únicos netos, chegávamos bem cedo para procurar os ovinhos de chocolate pelos canteiros da casa. Era o pretexto. O que queríamos mesmo era acompanhar a bagunça na copa.

Nessas ocasiões, somavam-se uns vinte parentes – meu avô havia assumido o papel de patriarca da família – sem falar em um número flutuante de agregados e amigos. Isso costumava elevar o quórum para perto de trinta pessoas e todos queriam botar a mão na massa.

Com a ajuda da Maria, sua fiel escudeira, minha pequenina avó espalhava farinha sobre o tampo de mármore da mesa da copa para “abrir a massa”. Fazia isso com tamanha desenvoltura que chegávamos a esquecer de sua aparência frágil. Naquele momento, a informação mais importante era saber quantos ovos haviam sido utilizados no preparo. A cada ano, com mais gente e proporções maiores na receita, o acréscimo era saudado por vários brindes de vinho e cerveja.

Com a massa aberta, e meu avô cuidadosamente fazendo os cortes triangulares, os olhares de todos em volta ficavam mais atentos.

Em seguida, o recheio era dividido pelos cantos da mesa. O cheiro de noz-moscada invadia o ar. Várias eram as exclamações em italiano, algumas até impublicáveis. De repente, diante de um sinal da minha avó, todos começavam a colocar recheio e a fechar os capeletti.  Para mim, aquele ritual era a essência da Páscoa. Todos aqueles parentes, amigos e agregados faziam parte da vida da casa de meus avós e eu e meu irmão adorávamos estar ali também.

Na cozinha o brodo era feito com esmero e experimentado por cada um que passava por lá, às vezes sob reclamações de meu avô, que ainda se arriscava a assar algumas carnes em uma pequena grelha no quintal, com um lenço protegendo a careca, amarrado com quatro nós nas pontas.

Era muita comida, muita festa, muito falatório, muitas risadas, diversas exclamações para saudar as virtudes culinárias das cozinheiras, dezenas de brindes e muitos sorrisos.

Restam pouquíssimos daqueles que participavam desses almoços. Mas a minha memória rende homenagens a todos. Preciso registrar aqui o quanto vocês eram, são e serão importantes, mesmo nunca tendo dito isso pessoalmente a muitos.

Existem lembranças de casa de avós que nos acompanham pela vida toda. E se tornam ainda mais preciosas quando os atores da época, aos poucos, vão embora.

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