Jeitinho inexplicável

Jeitinho III

Meu amigo californiano Dwight foi contagiado pelo nem tão súbito sucesso do soccer nos Estados Unidos, nos últimos tempos. A ponto de ter me telefonado umas oito vezes durante o evento para comentar jogos, fazer perguntas e, finalmente, para expressar seus mais profundos e sinceros sentimentos de solidariedade após a derrota para a Alemanha, equipe cujo o nome ele se recusa a pronunciar, só a chamando de eles.

Em algumas das primeiras conversas, ele quis saber sobre a organização. Tinha recebido notícias de que poderia haver um caos nas cidades-sede e, de repente, houve um silêncio e, em seguida, começou até ouvir alguns elogios. Para um americano, nada muda da noite para o dia. Eu tinha certeza de que ele estava confuso. Cheguei a mencionar a tal expressão em português – o “jeitinho brasileiro”. Erro! O gringo deu uma rateada e confessou que não tinha entendido. Do meu lado, quando percebi que não seria simples explicar, encurtei a conversa dizendo que escreveria em seguida. Passaram-se uns dois dias e cheguei a esquecer da minha promessa, mas Dwight ligou para comentar o jogo em que os Estados Unidos foram desclassificados e me cobrou a explicação.

Quando me dispus a escrever para explicar o que era o “jeitinho brasileiro” me vi sem condições de fazê-lo. Sabia exemplificar, mas não definir de maneira formal. Recorri aos escritos de Sergio Buarque de Hollanda e Roberto DaMatta. Mesmo assim seria uma noção complexa para a compreensão de um americano, acostumado com um modo de agir do tipo “pão pão, queijo queijo”. Cheguei a rir quando imaginei que talvez acabasse tendo que explicar essa outra expressão também.

Comecei a pensar. Talvez essa mania de fazer as coisas por caminhos diferentes esteja nos atrapalhando em vez de nos ajudar nas situações difíceis. O “diferente” passou a se confundir com o antiético, com o que foge das regras, com que é desprovido de civilidade e rasga as leis de convivência social. Enfim, é tudo o que estamos cansados de presenciar na cena política, nas relações cotidianas e até na justiça: como já dizia a frase atribuída a Getúlio Vargas, aos amigos tudo, aos inimigos a lei. Refleti sobre quantas vezes eu mesmo pedi ou dei um “jeitinho” em termos profissionais ou pessoais. Finalmente, concluí que nenhum daqueles cientistas sociais havia conseguido chegar a uma definição única e reconheci que seria presunção tentar encontrar a minha.

Passei então a buscar um ou dois exemplos que ajudassem meu amigo a entender, ele que já era um apaixonado pelo carnaval, pelo nosso futebol (aquele praticado por uma geração anterior a essa) e admirador da nossa capacidade econômica. Queria que ele não se decepcionasse tanto.

Não tinha escapatória. E então escrevi:

“Não há definição para o jeitinho brasileiro então resolvi dar um exemplo do que aconteceu na Copa do Mundo que você acompanhou. Para que o caos apregoado não ocorresse nas cidades-sede, o governo decretou feriado nos dias de jogo, atrapalhando sim a economia, mas esvaziando os aeroportos, as ruas, reduzindo o gasto de energia e evitando os protestos. Este é um caso clássico de jeitinho: atingimos um objetivo por vias diferentes.”

Por dois dias não conversei com ele, nem obtive resposta do email, até que no terceiro dia chega uma mensagem:

“Tentei diversas maneiras de dizer isso, mas não achei. Desculpe-me mas isso é trapaça.”

Fiquei quieto. Voltamos a nos falar depois disso, mas não mencionamos mais o tal jeitinho brasileiro.

 

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2 respostas para Jeitinho inexplicável

  1. Eu nem tento explicar uma coisa dessas… 😦

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