Na chuva, a pedidos

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É improvável que outro artista esteja tão associado a uma cena musical imortal quanto Gene Kelly e Singing in the rain. São quase cinco minutos de uma eufórica dança em que o personagem em cena festeja a descoberta do amor durante uma chuvarada. Primeiro ele abre o guarda-chuva, depois despreza inteiramente a função do acessório, pulando em poças d’água, equilibrando-se no meio-fio, empapando-se com a torrente das calhas, enfim, encharcando-se de todas as formas concebíveis ao longo de dois quarteirões de uma ruazinha cenográfica construída no estúdio da MGM em Culver City, Califórnia. A torrente seguia por uma longa sequência de canos que borrifavam jatos de água para que a chuva ficasse mais visível. (Em tempos de crise hídrica, descrever essa cena beira a pornografia). Reza a lenda que a cena foi incluída tardiamente no filme, para justificar o título Cantando na chuva. Ninguém queria que o público se sentisse enganado caso não houvesse pluviosidade na tela.

Foram feitas dez tomadas para registrar esse momento de pura alegria e irresponsabilidade. A sequência conta com uma imagem icônica: Gene pendurado no poste com um sorriso nos lábios e o guarda-chuva na outra mão. É a realização de uma fantasia infantil, com certeza. Quem nunca sonhou em tomar banho de chuva? Em brincar nas poças de água, em chafurdar na lama? Mas como costuma acontecer na realidade, a farra é interrompida quando entra em cena uma figura de autoridade, no filme um desconfiado policial.

Um detalhe: conta-se que Gene Kelly estaria doente durante a filmagem molhada, com um febrão de quase 40 graus. Ou seja, por trás do que aparenta ser muita espontaneidade existe um bocado de disciplina. A cena é o máximo, mas o filme é obrigatório para qualquer um que se interesse por cinema e pela sua história, por múltiplas razões.

 

 

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Miss Guanabara

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Eu sei que você diz para o mundo inteiro ouvir como eu sou linda e exuberante e reconheço sem modéstia nenhuma que tenho um imenso poder de sedução, apesar do nosso relacionamento já ser antigo. Cá entre nós, como era de se esperar, passou a fase do romance, aquele tempo em que você comprava qualquer briga se um malandro qualquer me olhasse com cobiça. Lembra aquele episódio com o francês? E eu juro, até hoje, de pés juntos, que não tive culpa nenhuma. O sujeito veio para cima de mim sem ser convidado. Apesar de detestar violência, confesso que me senti envaidecida e agradecida por não permitir que qualquer um lançasse as mãos sobre mim.

Mas isso já tem muito tempo. E a rotina diária desgasta qualquer relacionamento —  é natural que a gente passe a não enxergar o outro com os mesmos olhos. Por isso eu acho que precisamos ter uma conversa séria. Isso mesmo, uma DR. Sei que você detesta papo furado. É que não aguento mais ficar em silêncio. Um ponto a seu favor: você deixou de ser tão ciumento e agora adora me exibir por aí em fotos, filmes, cartazes para o mundo inteiro ver. O que me deixa maluca é que quando a coisa acontece aqui entre nós, você me vira as costas e age como se eu não valesse nada. Aliás, me trata como se eu fosse uma lixeira. Ah, não é de hoje. No princípio, eu fazia de conta que não via. Estava tão preocupada em te acolher, em te dar um lar! E te recebi bem. Deixei fazer de mim o que queria. Você queria minha ajuda e eu dei tudo que eu podia. Por você, perdi minhas formas originais. Eu me entreguei de corpo e alma. Foi minha desgraça. Hoje, eu me sinto podre por dentro e por fora.

Fala sério. Sou uma coroa bonita, apesar de muito maltratada. Tenho sido uma companheira fiel todos esses anos e você anda me envenenando lentamente. Não tente negar. Todo mundo sabe. Não mereço esse desprezo, essa falta de consideração. Estou exausta de ouvir suas promessas. É sempre assim: as pessoas percebem que estou adoecendo, você se sente culpado e promete que vai cuidar bem de mim, me proteger, cuidar da minha saúde. Promete gastar milhões de dólares comigo e por um tempo, eu volto a ter esperanças de que tudo vai mudar. Tudo conversa fiada.

Essa história de Jogos Olímpicos foi a gota d’água (suja) para mim. Você fez questão de dizer que eu ia passar por uma repaginação completa, para Pitanguy nenhum botar defeito. Prometeu que eu seria uma estrela e receberia os atletas e os visitantes estrangeiros no auge da forma, como nos velhos tempos. A conversa de sempre, mas eu acreditei (não disse que o amor me cegava?). Anos se passaram e o máximo que aconteceu foi uma maquiagem aqui e ali para esconder a violência que você não parou de me submeter. Tentamos exibir uma fachada de felicidade, mas não enganamos ninguém.

Na semana passada, vieram uns gringos. Eles me examinaram e depois puseram notícias em todo o mundo dizendo que eu era imunda, nojenta, mal-cheirosa. Duvidaram da minha capacidade de receber os estrangeiros em grande estilo – disseram que eles podem até ficar doentes se tiverem muito contato comigo. Só faltava essa. Fiquei morta de vergonha, mas eles no fundo têm razão. Sou apenas uma sombra do que eu já fui, sinto a vida se esvair. Virei motivo de chacota.

Por que você não consegue corresponder a todo o amor que eu te dei?

E já que estamos na DR, o que você fez afinal com aquela dinheirama que era para cuidar de mim. Só falta você ter outra.

Mas de uma coisa eu tenho certeza: igual a mim você não vai encontrar mais ninguém. Sou como Gilda, a mulher inesquecível. Nunca existiu nada tão incrível quanto eu, para sempre a sua Baía de Guanabara.

(Por Mauro Giorgi, com edição de Livia de Almeida)

 

 

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Se desse para escolher as cenas…

Algumas cenas que podiam acontecer na chamada “vida real”… Sugira as suas e publicaremos aqui.

O passeio de bicicleta em Butch Cassidy and the Sundance Kid

Mais bicicletas e a realização da fantasia de voar em ET.

Um tango fenomenal, em Perfume de mulher (a dança começa mais ou menos na altura de 1:35 min).

Um momento Fred e Ginger

O desafio de Scarlet O’hara sob a luz crepuscular. Sugestão da nossa leitora do Facebook, Anne Anushka Sunder:

O encontro frustrado entre amantes encantados em O feitiço de Áquila, com Michelle Pfeiffer e Rutger Hauer, sugestão da leitora Haedda Cerqueira.

A dança quente no final de Dirty Dancing, pedido de Telma Rolim Alves.

 

 

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Cinema, lagostas e relacionamentos

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Amar é nunca ter que pedir perdão?

São Paulo, anos 1990. Eu trabalhava no mercado financeiro e mais ou menos nessa época minha vida social começou a incluir algumas festas grandiosas, com convidados animadíssimos, roupas de grife, comida de primeira, bebida farta. Invariavelmente, em algum momento me voltava à mente algumas cenas do filme O grande Gatsby (1974), estrelado por Robert Redford e Mia Farrow, que eu assisti na época do lançamento no Cine Veneza. Na tela, era retratada a loucura da década de 1920, quando os ricos dançavam Charleston como se não houvesse amanhã e o crack da bolsa em 1929, ainda por vir, fosse pura fantasia. Na verdade, nem havia tantos pontos de contato assim entre as duas situações, mas as grandes festas paulistanas me davam a sensação de estar revivendo uma cena de cinema na vida real. Por outro lado, em algumas reuniões de trabalho, em um banco, quando cada diretor se sentava à mesa ladeado por seus gerentes, eu me sentia praticamente um personagem de O poderoso chefão, durante um encontro de mafiosos.

Que me perdoem os críticos especializados, mas acredito humildemente que uma das grandes contribuições da arte cinematográfica tem sido sua capacidade de representar com muita fidelidade e verossimilhança algumas fantasias dos espectadores e criar referências para nosso repertório emocional. Quer um exemplo? Quem nunca se sentiu um Rocky Balboa dando socos no ar e ouvindo mentalmente a trilha sonora em um momento de triunfo? Ou tentou seguir os passos de John Travolta em Embalos de sábado à noite durante uma festa? E você, corredor(a), pode me jurar que nunca se visualizou correndo em câmera lenta durante um treino à beira-mar, ao som da música de Vangelis? (Não? Então não sabe o que está perdendo!)

É verdade que a cultura cinematográfica tem capacidade de ensinar grandes coisas sobre relacionamentos reais, de carne e osso. Mas haja inspiração. Vivi na adolescência paixões com a urgência de um Love story, com Ryan O’Neal e Ali McGraw (linda!), acreditando e repetindo que “amar é nunca ter que pedi perdão”. O desfecho, em geral, não era tão trágico quanto na tela – benza Deus — embora a cada rompimento eu pudesse jurar que compartilhava em toda plenitude a dor do personagem de Ryan O’Neal.

Eu ainda era bem jovem quando vi pela primeira vez Annie Hall, de Woody Allen, aquele que passou com o título Noivo neurótico, noiva nervosa. Serviu de introdução para o complicado ritual das DRs. Com ou sem lagostas (ver o vídeo no fim deste post). Ao longo da vida também tive momentos em que me senti vivendo a paixonite de Michelle Pfeiffer e George Clooney em Um dia especial e a beligerância do final de casamento de A guerra dos Roses, com Kathleen Turner e Michael Douglas. E como não? Houve despedidas em que me senti como Humphrey Bogart em Casablanca. “We will always have Paris”. E sei que não estou pecando por excesso de originalidade.

Talvez a arte imite a vida de uma forma mais caprichada e com menos riscos à integridade física dos observadores. Quando as luzes se apagam, posso me identificar com Russel Crowe e me sentir como um matemático pirado, um gladiador ensandecido ou um operador do mercado financeiro que larga tudo para viver no sul da França a vida como ela deveria ser. E quando a vida surpreende e imita a arte, resta para a gente sorrir sozinho e, se preciso for, sair pela rua assobiando “As time goes by”. (Mauro Giorgi, com edição de Livia de Almeida)

 

 

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Vou de táxi?

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Há quase 30 anos, não havia a polêmica entre táxis e Über. Para falar a verdade, não havia nem smartphones, muito menos aplicativos.

Vamos deixar a discussão para lá e curtir lembranças de tempos mais descomplicados.

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Carta para uma desconhecida

O inesperado quer chegar e eu deixo.

Tudo Sobre Tudo

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“Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay” cantava Rita Lee a frase extraída do livro Dom Quixote de Miguel de Cervantes Saavedra. E é o que  não sai da minha cabeça. Justo eu, que tinha alertado aos incautos sobre os poderes das viradas de cabelo, tento agora não pensar naquela mulher que, diante de mim, sacudiu o cabelo negro, liso e cumprido, sem nem me notar, e inadvertidamente conseguiu demolir uma barreira que eu havia levantado havia seis anos. O pior é não saber se tornarei a encontrá-la  naquela loja de sucos. A bandeira que dei foi tão grande que o Chico, vendedor que faz meu mamão com laranja e gelo picado sem açúcar, não se conteve:

— Maurão, olha o torcicolo!!

Voltei nos quatro dias seguintes, dois no mesmo horário, e dois em horários diferentes, e o Chico:

— Nada…

Resolvi escrever  uma carta para…

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Soltos na natureza

Homenagem ao Dia do Amigo. Nada como acampar no mato para consolidar amizades para o resto da vida. Mas é recomendável que a experiência se dê na adolescência, quando o corpo ainda suporta ser maltratado.

Tudo Sobre Tudo

acampamento III

A ideia partiu de um dos mais velhos da turma de amigos da Urca: acampar no pé das Agulhas Negras, formação rochosa que fica próxima a Resende. Era uma aventura e tanto montar as barracas a 2.800 metros de altitude, em pleno inverno, num local onde a vegetação era totalmente rala e nada crescia mais do que cinquenta centímetros. E onde não faltavam pedras e esconderijos para escorpiões, cobras e outras criaturas desagradáveis. A participação de todos só seria possível com um planejamento forte e, é claro, a autorização dos pais. Afinal, éramos adolescentes naqueles tempos, na década de 1970. Era preciso estocar comida para uma semana, providenciar as barracas, roupas de frio e soro anti-ofídico – as cobras eram a maior preocupação dos pais – além de equipamentos de escalada. Vivemos dias de intensa empolgação.

Para o transporte havia apenas um fusca 66, café com leite, que levaria a…

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A primeira vez

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primeiravez

“Quando você vai para cama com alguém, saiba está indo com todos os parceiros anteriores dela e vice-versa”, escutei essa pérola, é claro, na mesa de um bar. Demorei a entender, e esse amigo confessou imediatamente que não era dele a frase, mas também não sabia de quem era, mas achou tão boa que guardou.

Em mesa de bar só com os homens, é claro que o assunto principal é sexo. É um clichê, mas somos previsíveis, está provado!

A partir dessa frase, começamos a teorizar, naquilo que a bebida permitia, o porque da importância da “primeira vez”. Outro querendo também um posto de intelectual interveio:

– A primeira vez é importante para ambos, eu me lembro bem da minha!

Quem está hoje na meia-idade, apesar da adolescência já ser com o advento da pílula, teve, em sua maioria, iniciação sexual com profissionais.

Mas aquela frase foi uma revelação. É…

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Deslizes

Trair e coçar? É só começar?

Tudo Sobre Tudo

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Nenhuma traição é gratuita. Existe sempre um motivo que pode ser simplesmente banal. Em outras ocasiões, é uma questão conjuntural. Há ainda aqueles casos em que vem à tona uma fragilidade estrutural do relacionamento. Não importam as razões por trás do ato. Ser traído é uma experiência extremamente dolorosa. E na minha opinião, parece que algumas datas do calendário conspiram a favor da traição.

Experimentei esse gosto amargo em um carnaval, no início da década de 1980. Vivia um namoro do tipo “novela mexicana”, cheio de drama, choros, idas e vindas cheias de tesão. Ela gostava da festa e eu não era um fã ardoroso das folias de Momo. Por isso combinamos um feriado “dividido”. Resolvemos que iríamos juntos a um dos quatro bailes do clube. No segundo dia, ficaríamos juntos na minha casa, que estava vazia, pois todo mundo havia viajado. No terceiro dia, ela iria para o baile…

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Domingo Vinícius

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É melhor ser alegre que ser triste. E nada mais alegre que encerrar a semana com uma dose de Vinícius de Morais. Fizemos uma seleção muito especial.

Aqui temos uma gravação histórica do Canto de Ossanha, com Baden Powell no violão.

No início dos anos 1970, Vinícius e Toquinho assinaram a trilha sonora da novela O Bem-amado, de Dias Gomes. Meu pai Oxalá foi uma de suas contribuições. Nessa gravação há o apoio luxuoso dos vocais do MPB4.

Para fechar, um pot-pourri de um show de Vinícius na Itália, com Toquinho, Miúcha e Tom Jobim. E assim a gente vai levando!

 

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